O Rugby de Alta Competição e o «Rugby Social»
No passado sábado, e a propósito do jogo entre o CDUL e o Belenenses, ouvi pela primeira vez uma expressão que me deu que pensar: «rugby social». O contexto em que a ouvi não vou revelar, até porque pouco importa para o caso. O objectivo deste texto é partilhar convosco, de forma breve, a interpretação que faço dessas duas palavras, que exprimem no fundo uma forma de estar perante o Rugby.
Rugby social será a prática do Rugby sem preocupações competitivas, ou sem que estas sejam o factor predominante na visão que o atleta tem da modalidade. No Rugby social, joga-se por gozo, por diversão, para «passar o tempo», por tradição familiar, para estar entre amigos, etc...
Quando se pratica Rugby social pode-se viver sem preocupações relativamente à forma física e à condição mental/psicológica. A alimentação não obdece a preocupações especiais, tão pouco se efectua o repouso vital para se assegurar uma recuperação efectiva do esforço físico.
O jogador que pratica o «Rugby social» pode sair à noite no dia anterior ao jogo, não respeitar horários, treinar quando lhe dá mais jeito e ignorar até as obrigações que tem para com os colegas de equipa. Será, neste caso, um mau jogador de Rugby... no máximo poderemos considerá-lo um praticante... ainda que ele próprio não o reconheça.
O que acontece é que em Portugal se está a verificar, nesta fase, uma contradição entre uma visão quase generalizada do Rugby - que é esta, a do Rugby social - e uma outra ainda minoritária e infelizmente com pouca força - a do Rugby como realidade competitiva exigente relativamente às equipas e aos jogadores.
O jogador de alta-competição (seja profissional, seja amador... tanto faz!) tem as mesmas obrigações quando assume - VOLUNTARIAMENTE - um compromisso de honra para com a equipa. E essas obrigações devem estar sempre presentes na sua mente. Mais: devem tomar forma prática nos comportamentos concretos diários de cada um.
O meio que o envolve deve favorecer as boas práticas por parte dos jogadores, e cabe aos clubes/federação proporcionar-lhes todas as condições para que o respectivo desempenho desportivo seja maximizado. Mas nenhum apoio tem o impacto desejado se o próprio jogador não tiver a auto-disciplina suficiente para levar a cabo um programa de preparação individual eficaz, tendo em mente a competição.
Algumas questões para reflexão: de que servem boas condições de treino e apoios adequados se um ou vários membros de um grupo de trabalho não têm a capacidade para manter a forma física durante o período de férias? De que serve o apoio dos clubes/federação se os jogadores não adoptam comportamentos ajustados às suas obrigações, fumando e bebendo quotidianamente? De que serve o empenho máximo dos dirigentes e técnicos quando o repouso pós-competitivo não é voluntariamente realizado?
Quando escrevo sobre este tema - e já escrevi sobre os comportamentos dos atletas por diversas vezes - recordo o tempo em que nadava no Sport Algés e Dafundo. Amador ao ponto de pagar os calções que usava, treinava onze vezes por semana e cinco horas por dia. Nunca usei a condição de amador para faltar a um treino... quanto mais falhar competições! Nunca exigi um centavo de ninguém para assumir o compromisso de descansar, de me abster de fumar e beber.
Aos que tiveram a paciência de ler o texto até este ponto peço que compreendam o seguinte: não se trata aqui de dar «lições de moral», até porque como todos tenho os meus defeitos. Trata-se antes de fazer a distinção entre «Rugby Social» e «Rugby de Competição e Alta-Competição», associando as duas visões à discussão «amadorismo vs. profissionalismo».
Ser amador ou profissional não é efectivamente a mesma coisa. É óbvio que ser profissional proporciona ao atleta condições extraordinárias de preparação para a competição, e eu senti-o na pele, quando nadei lado a lado com grandes nomes da natação mundial, como o italiano Maximiliano Rossolino ou o holandês Pieter van den Hoogenband. Mas a questão não é essa! O problema é que, se competimos contra profissionais, temos de assumir que sendo amadores (ou seja, não vivendo do desporto) teremos de ser ainda mais disciplinados que o adversário!
Quem compreender aquilo que aqui escrevo verificará com maior clareza - na minha humilde opinião - que apenas o compromisso (assumido e sobretudo praticado) de levar o desporto a sério pode fazer sair Portugal do ambiente de «porreirismo» do Rugby social em que - ainda - se encontra mergulhado.
Haverá vontade por parte dos principais protagonistas da modalidade - jogadores, técnicos, dirigentes... e árbitros - de o assumir?
6 Comments:
Excelente, grande analise e visão.
Não quero divulgar nomes, mas este comportamento pode ver-se todos os fins-de-semana em equipas de vários escalões e clubes.
Alguma coisa tem que mudar!
A complementar o teu texto proponho a leitura de mais um texto teu:
http://belenenses15.blogspot.com/2006/08/atleta-ou-apenas-praticante-ii.html
"Atleta ou apenas praticante- II"
Concordo plenamente com o que aqui está escrito,e sou provavelmente um duns exemplos vivos disso mesmo...
mas sinceramente duvido que o denominado "rugby social" se venha a extinguir,nos proximos anos
Hoje em dia é preciso um cumprimisso semi-profissional com o clube e tudo mais,e ai torna-se complicado conseguir gerir um plantel de 30 jogadores, em que os tens de motivar a todos sem excepção a treinar, não só no clube, como também fora dele...
Não é fácil manter um grupo 30 motivado para um campeonato que so começa em dezembro, em que os grupos da taça de portugal são composto apenas com 2 equipas, o proprio aliciamento a jogadores de clubes com menos força na federaçao,para clubes de maior força, com as promessas de chamadas á selecção... para não falar das convocatorias de jogadores estrangeiros, que estao cá a uma dúzia de meses e são chamdos á selecção, com remunerações a cargo da FPR
Propunha que acabassem 1º com a "FPR Social", ai talvez isto ande para frente!
Caro Vitó
Concordo com parte do que diz. A FPR tem graves responsabilidades nesta situação, até porque ela própria promove o Rugby Social, para não dizer o Rugby cor-de-rosa, do tipo evento social.
Salva-nos a imagem o Professor Tomaz Morais - que até foi em 2003 ou 2004 nomeado pela IRB para melhor treinador do ano! - e alguns bravos rapazes que resistem a essa visão atrasada e suicída do Rugby.
Agora, e para terminar de uma vez por todas com esse mito de atletas pagos pela FPR, diga lá quem são e quanto recebem...
É que pelo menos os do Belém não recebem NADA, a não ser o mesmo que os outros: subsídios de representação da selecção nacional, quando estão ao serviço dela... Creio que essa mentira (desculpe o termo, mas é mesmo assim!) tantas vezes repetida começa a convencer... E é pena, pois não é verdade!
Antes de mais Rui, parabéns pela excelente análise.
É interessante porque quando li o seu texto eu ia comentar que o grande problema é a FPR ser social, mas houve mais quem pensasse desta forma. Não pude deixar de sorrir (tristemente) pela sintonia ao ler os comentarios que ja expressavam o que eu ia comentar (parece que pensamos muitos da mesma forma..).
O exemplo vem de cima e sem um bom exemplo é complicado fazer exigências de profissionalismo. Claro que num blog como este que funciona bem, que cumpre a missão a que se dispôs, essas exigencias podem ser feitas, mas no panorama do campeonato já nao é tão simples. Os Jogadores dos diversos escalões recebem grandes discursos dos treinadores sobre compromisso e dedicação, sobre a necessidade de entrega, etc, etc... e depois a Federação funciona de forma mais do que amadora, desleixada.
Quantas vezes não há (fora da divisão de honra) sequer árbitros para apitar e se ouve um "então, o treinador chega-se à frente".
Quantas vezes não há delegados da FPR presentes nos jogos sem que isso tenha ficado esclarecido. É que tudo se pode fazer e até é possível que caiba em exclusivo ao clube anfitrião toda a dinâmica do jogo (especialmente nos escalões mais jovens), fornecer árbitro.. seja o que for, tudo é possível DESDE que combinado. O "senso comum" é uma coisa muito dependente de perspectivas.
Mas como "a malta se conhece toda" o nacional porreirismo impera e quando alguém não "colabora" com esse porreirismo está deliberadamente a boicotar "o espírito da coisa"...
Lamento, mas toda esta postura está muito distante do tal "profissionalismo de atitude" e é muito complicado formar os jogadores neste "contexto" de "a malta é toda amiga, ó zé tu vais buscar as águas, enche o jerrican e o tó faz de bandeirinha" ou "é pá, parece que afinal nao vem ninguem da federação" "ah, mas era para vir" "é pá... sei lá eu".
É muito dificil conviver com toda esta postura a vida toda e de repente num "clique" mágico chegar a Senior e ser "um profissional dos quatros costados, comer assim e assado, dormir as horas que nao sei o que...".
Resolva-se a FPR social primeiro e o resto virá com mais facilidade. Penso que a maioria dos clubes tem já vontade nesse compromisso, mas a FPR nao corresponde.
Falta-lhe a "atitude". E sem isso...
Ontem a RTP emitiu no programa “Em Reportagem” uma peça quem que o alvo central era o álcool entre os jovens. Nesta reportagem figurava um bar frequentado por miúdos e 13, 14 e 15 anos, de regime “bar aberto” até às 4 da manhã.
Este bar às 6ªs feiras (pelo menos até ao verão) enche-se de jogadores de Rugby, de vários clubes, que se embriagam quase até ao ponto de coma alcoólico. Já nem falo dos jogos que estes miúdos têm ao sábado de manhã, falo das consequências ao nível psíquico e por vezes físico resultantes destes comportamentos de risco.
À 6ª: repouso, boa noite de sono, para sábado jogar a 100%.
Deixo este tema para reflexão.
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