Atleta ou «apenas praticante»? - I
Escrevi por diversas vezes no Blog Rugby Azul que nunca fui jogador de Rugby. Acrescentei outras tantas que fui nadador internacional e jogador de pólo-aquático também internacional, na categoria de juniores. Joguei duas finais do campeonato nacional da 1ª Divisão e fui campeão de juvenis e juniores pela minha equipa de então, o Algés. Treinava pelo menos 10 vezes por semana (duas vezes por dia), num total de 5 horas diárias. Se o escrevo é para que não se pense que estou a falar sem conhecimento de causa, ou que «exigo» aos outros aqui que nunca fiz.
Hoje, a crónica é dedicada à disciplina física e mental (as quais aparecem muitas vezes combinadas) no Rugby. Já o havia feito em artigo do antigo Blog Rugby Azul, mas repito-o, inspirado por um comentário pertinente publicado no novo fórum do site oficial do Direito. E por muito que custe ler «à rapaziada» (azul e não só) que por aqui passa, vamos lá então ao que interessa...
O desporto é uma escola de virtudes. O Rugby também o é. Mas para quem pretende fazer do desporto mais do que uma fonte de lazer - ou seja, para quem quer praticar desporto de competição - ele exige esforços adicionais, associados a hábitos de vida compatíveis com os níveis físicos e mentais que se queiram atingir.
Em Portugal, o Rugby está a progredir, e a formação de novos talentos tem acontecido a bom ritmo. Creio todavia que poderia ir-se muito (muitíssimo...) mais longe, a começar pela formação de uma nova consciência acerca do que é ser-se de facto um atleta, por oposição ao mero praticante de uma modalidade. Ser-se atleta é assumir que se quer progredir verdadeiramente, colocando por isso em segundo plano dimensões da vida que para outros (amigos, familiares e até colegas de equipa) são normais. Ser-se mero praticante é tão só e apenas assumir que se joga para «entreter». Pode ser interessante, mas não ganha campeonatos!
Legenda: Escolinhas de Rugby do Belenenses.
O Rugby português ainda convive de forma pacífica com o consumo frequente de substâncias que deveriam ser absolutamente proibidas aos atletas, dos juvenis aos seniores. Refiro-me ao consumo quase generalizado de tabaco e bebidas alcoólicas. Para mim, que como já referi nadei e joguei pólo «à séria», seria absolutamente impensável ver coisas que já vi num campo de Rugby. Vi... ninguém me contou...
Um jogador internacional, substituído ao intervalo, vai assistir aos segundos 40 minutos para a bancada, de cigarro na boca. Jogadores afirmam de forma «desenvergonhada» que sem uma noitada antes do jogo «a coisa nem corre tão bem». Atletas de topo que se queixam de treinar três vezes por semana... quem dera a um nadador!
O mundo oval está mal habituado e nele ainda subsiste aquela filosofia «éférreá» dos tempos que em a modalidade era praticada por grupos de amigos e colegas da universidade. Pois bem: esse tempo terminou. E quem deveria ter consciência disso eram os jogadores, técnicos e dirigentes dos clubes e federação! Penalizações para quem não vive em consunância com a escolha que fez para a sua vida deveriam ser normais. Um jogador que não joga uma partida porque na noite anterior foi sair à noite e está cansado (ou pior...) deveria ser severamente repreendido.
Bem sei que o Rugby é em Portugal uma modalidade amadora! Mas isso não deve ser desculpa para nada. Também eu era amador (aliás, pagava os calções que usava...) e isso nunca me impediu de assumir a minha condição de atleta de alta competição com 100% de consciência do dever perante os meus colegas, clube ou selecção!
Quando se quer tomar outros rumos na vida, tomam-se opções! Eu tomei a minha: deixei de jogar Pólo-Aquático há cerca de 8 anos, e hoje - com 28 - bem me arrependo. É certo que ninguém me tira a cervejinha ao jantar, mas também ninguém me devolve a possibilidade de jogar partidas internacionais, de marcar um golo da vitória a uma equipa de elite francesa (como aconteceu, marcando-me para sempre!), de ter jogado mais e melhor.
Nenhum jogador do Belenenses faz um favor ao clube por vestir a camisola da Cruz de Cristo, receba ou não um cêntimo em retorno. Só joga quem quer, só faz falta quem está na equipa e no clube. Em todas as modalidades praticadas no Restelo! Assim, por respeito ao clube, à sua história de excelência, às equipas (técnicas, de dirigentes e atletas), todo e qualquer jogador do Belenenses deve pensar no mínimo duas vezes antes de fazer algo que interfira no seu desempenho desportivo.
Uma coisa é colocar à frente do desporto opções como o emprego, a família ou os estudos. Outra é querer compatibilizar aquilo que é, por natureza, absolutamente antagónico: a vida de atleta de alta competição com a de «gajo porreira que vai para os copos e fuma uns cigarrinhos».
Não escrevo este texto com intuito moralista, longe disso! Ele é apenas uma chamada de atenção, em especial para os mais novos. O Rugby luso está a subir, e aqueles que hoje se iniciam como bambis, benjamins ou infantis podem, num futuro não muito longínquo, estar a competir de forma regular num campeonato do mundo, ou num circuito mundial de «sevens». Querem chegar lá e brilhar? Ou envelhecer a pensar que poderiam ter feito coisas boas, se tivessem tido cabeça?
Aquilo que escrevo para o Rugby aplica a todas as modalidades. Não basta ter habilidade, não basta ter condições físicas ideais. Não basta gostar de jogar, nem sequer basta treinar muito. É preciso fazer tudo com cabeça, coordenando as diversas dimensões da vida, não deixando nada para trás... nem ficando arrependido de ter passado ao lado de uma carreira melhor por causa de uns cigarrinhos ou de cervejas nas saídas à noite!
Prometo continuar a abordar este assunto novo artigo, dentro de dias.
1 Comments:
Bom texto. Há palavras que dói ouvir mas é preciso que alguém as diga...
Um abraço.
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