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quarta-feira, agosto 23, 2006

O «Caso Mateus», o Futebol e o Rugby

Tinha previsto publicar aqui e hoje um texto dedicado à história dos mundiais de rugby, com especial destaque para a sua 1ª edição, disputada na Nova Zelândia/Austrália, em 1987. Mas os acontecimentos recentes, relacionados com a resolução definitiva do chamado «Caso Mateus», mudaram-me os planos, e este Blog dedicado ao Rugby belenense conhecerá hoje mais um texto dedicado ao desporto, num contexto mais amplo.

O essencial do «Caso Mateus»: o Belenenses (tal como a Académica e o Vitória de Setúbal) protestou junto das entidades que tutelam o futebol nacional irregularidades de secretaria cometidas pelo Gil Vicente. Estas irregularidades (leia-se, ilegalidades) valeram ao clube de Barcelos vantagem competitiva face aos outros emblemas da I Liga, o que acabou por ser reconhecido pelo próprio clube nortenho, já em fase de «desespero». Após queixas e recursos, obstrução à justiça e manobras de bastidores, a LPFP e a FPF deram razão ao Belenenses, que permanece na «1ª divisão».

Não vou aqui discorrer acerca de questões legais/processuais que não domino. Aliás, quem lê sobre desporto, e nomeadamente sobre futebol, já estará cansado de levar com o «Caso Mateus». É tempo de seguir em frente… mas não podemos deixar de aprender com o que se passou, e tirar algumas ilações relativamente ao significado desta decisão.

Primeira conclusão: pela primeira vez, e dentro do «mafioso» contexto futebolístico, o crime não compensou. Só por isso, este «Caso Mateus» é positivo. Não se tratou de uma permanência na secretaria, mas antes da reposição da legalidade. Creio que todos – excepção feita aos desesperados dirigentes gilistas – já perceberam que o desfecho que se verificou era o único possível.

Depois, e embora esta não seja uma questão directamente ligada ao «Caso Mateus», trata-se da descida de um daqueles clubes «sanguessuga», que à semelhança de muitos outros desenvolvem a sua actividade desportiva profissional sem capacidade autónoma para isso. Ou seja, são clubes que vivem à conta dos dinheiros municipais, não tendo base de apoio popular (o Gil Vicente é um clube insignificante, na sua dimensão associativa) nem receitas próprias que lhes permitam manter – de forma sustentada – equipas de competição ao mais alto nível do futebol profissional.

Os municípios, sem estratégia de desenvolvimento desportivo, injectam dinheiro nestes autênticos sorvedouros de dinheiro. Em Barcelos, por exemplo, construiu-se um Estádio municipal cuja função é, no fundamental, albergar a equipa do Gil Vicente, sem custos para a mesma. Não tem pista de atletismo, nem se trata de um equipamento ao serviço do desporto no concelho. É uma benesse da Câmara ao emblema local, para uso da sua equipa profissional.

Quem fica «a ver navios» são as outras modalidades – Rugby incluído – cujos equipamentos rareiam, ou quando existentes são de má qualidade… Quantas dezenas de piscinas municipais, construídas ao longo dos anos em múltiplos municípios, permitem a prática competitiva e o treino da natação e do Pólo-Aquático? Poucas… muito poucas. O investimento é canalizado para os relvados, e estes são de uso exclusivo da malta da bola… redonda!

O país encolhe os ombros e vai assistindo a esta vergonha. Clubes como o Gil Vicente – para não referir os escandalosos casos dos emblemas madeirenses e de outros que lhes seguem o exemplo – matam o desporto. Alimentam a falta de estratégia dos municípios, cujos dirigentes políticos são, não raro, dirigentes do futebol. É a realidade lusa…

O Rugby continua entrincheirado em Lisboa, onde meia-dúzia de campos vão servindo a meia-dúzia de equipas existentes. O «Plano Estratégico» – que é mais uma enumeração de objectivos que de um conjunto de medidas concretas – é (quase) omisso relativamente à mais do que necessária relação entre a FPR e as autarquias. Poucos clubes sobrevivem fora de Lisboa, e a formação que neles se faz é fortemente condicionada pela falta de meios. O dinheiro, que é afinal aquilo que faz girar a terra (infelizmente…), está no centro da discussão, e se o futebol é um eucalipto no contexto desportivo nacional, estes clubes «sanguessuga» são em larga medida os responsáveis pelo bloqueio ao desenvolvimento de uma verdadeira estratégia desportiva nacional.

O «Caso Mateus» acabou. Deixou de ser caso e passou aos livros de história. Muitos apontarão o dedo ao Belém, acusando o clube do Restelo de ter «sobrevivido» à descida fora dos relvados. Esquecem-se que quem beneficiou de ilegalidades de secretaria foi o Gil Vicente. Como referiu ontem, em Conferência de Imprensa, o presidente azul Cabral Ferreira, «fez-se justiça num caso de gritante atropelo aos regulamentos».

O Belenenses, um dos quatro grandes do desporto nacional, poderá agora encetar um mais do que necessário processo de modernização interna. Para isso é urgente enfrentar de forma decidida os focos internos de resistência à mudança. O Rugby, apontado como um modelo de boa gestão no clube do Restelo, poderá e deverá estar na «vanguarda» de um movimento de renovação do clube, nunca para desvirtuar o Belenenses histórico, mas para o trazer de volta!

O que é bom para o futebol azul é bom para o Rugby azul. O que é bom para o Rugby azul é bom para o Rugby nacional. O Belenenses enfrentou, de forma decidida e pela primeira vez em muitos anos, a verdadeira máfia que comanda o futebol (que para muitos é a modalidade única em Portugal). E ganhou a batalha! A ver vamos que factura terá de pagar. Continuemos a enfrentar os podres poderes instituídos… E os sócios regressarão. Mais do que a vitória de domingo ou o penalty não assinalado, o Belém precisa de fazer ressuscitar a sua alma e a sua mística. Para mim, reside na sua secção de Rugby um bastião desse sentimento e dessa semente, plantada por Artur José Pereira, em 1919.

Ao Rugby, como um todo, cabe também enfrentar o futebol podre dos clubes sanguessuga, exigir igualdade de tratamento, disseminar-se pelo país, dar a oportunidade aos nossos miúdos alentejanos, algarvios, transmontanos ou beirões de pegar na bola com as mãos e iniciar «um ensaio para a vida». Será que a FPR está disposta a «comprar» essa guerra?