A raínha e o republicano...
Tenho vindo a trabalhar em alguns textos dedicados aos Mundiais de Rugby, que desde 1987 se disputam de 4 em 4 anos, e que terão no próximo ano de 2007 nova edição, quando a França receber a prova máxima da modalidade.
Parte desses textos referem-se a aspectos puramente desportivos: grandes jogos e jogadas de antologia, grandes jogadores e records diversos. Hoje, todavia, preferi dedicar-me a analisar aspectos dos Mundiais que transcendem a sua importância (grande, aliás) meramente desportiva. Refiro-me a «estórias» que também se encontram directamente relacionadas com os Mundiais, ainda que não tenham tido neles influência directa.
Uma dessas «estórias» diz respeito ao capitão da equipa australiana que, em 1999, levantou a Taça William Web Ellis, em pleno relvado galês do Millenium de Cardiff. Falo naturalmente de John Eales, o 2ª linha «aussie» que deixou saudade após o seu abandono do Rugby internacional, em 2001, depois de uma vitória sobre a Nova Zelândia, obtida em Sidney (29-26), a 1 de Setembro.
Legenda: John Eales, capitão dos Wallabies.
O que se passou dentro de campo nesse Mundial de 1999 está descrito e é por quase todos conhecido. Os australianos apresentavam de facto a melhor equipa do Mundial, talvez apenas ameaçada pelo poder dos neozelandeses, surpreendentemente «arrumados» na meia-final por uma França que jogou tudo o que tinha para jogar.
Fora do campo, todavia, o Mundial coincidia com a realização de um referendo - em solo australiano - acerca da constituição ou não de uma República, independente do Reino Unido e da sua coroa. O famoso referendo de 1999 tinha, em termos práticos, a capacidade para decidir o afastamento da Austrália relativamente à «tutela» da Raínha de Inglaterra e seus descendentes. John Eales, capitão dos Wallabies, era um conhecido defensor da causa republicana...
O debate político na Austrália foi aceso, e o resultado do referendo «apertado», com a ligação ao Reino Unido a manter-se devido a 54.4% dos votos na hipótese «Sim». Apenas a pequena região da capital australiana - conhecida por ACT - votou pela República, alcançando o «Não» cerca de 63% dos votos.
Mesmo antes de ser conhecido o resultado do Mundial, Eales sabia que teria de se encontrar com a Raínha Elizabeth II, por razões institucionais ligadas às relações entre o Reino Unido e a Comunidade da Austrália (Commonwealth of Australia). Abordado sobre o assunto pela comunicação social, Eales optou por responder de forma politicamente correcta, garantindo que teria todo o gosto em encontrar-se com uma grande figura mundial, como a Raínha dos britânicos. Coisa bem diferente seria dizer que a aceitava também como sua raínha...
Terminada a prova, e depois de uma final facilmente arrebatada pelos «aussies» frente a um XV gaulês completamente esgotado e sem imaginação, a Raínha Elizabeth II desceu ao relvado, e entregou a John Eales a pequena Taça do Mundo, conhecida entre os homens do Rugby como «Taça William Web Ellis», ou simplesmente «Bill». O momento foi naturalmente registado pelas câmaras fotográficas, e guardado para a posterioridade.
Legenda: John Eales recebe a Taça das mãos da Raínha de Inglaterra (Créditos: Rugby Heaven)
Nos antípodas, em plena Oceânia, um país rejubilava de alegria, com a conquista do segundo título mundial de Rugby (feito único, nunca alcançado por nenhuma outra nação)... Mas os defendores da República, como Eales, choravam simultaneamente, lamentando a oportunidade perdida de obter uma independência que desejavam pelo menos tanto como o prestigiado troféu desportivo.
2 Comments:
Rui, creio que o mundial de rugby se disputa desde 1987 (com a vitória da Nova Zelândia) e não desde 1985 como referes no início do texto.
De resto, parabéns pelo artigo e pelo excelente blog.
É verdade... foi de facto em 87 e não em 85. E foi de facto a Nova Zelândia a vencer (o seu único título até ao momento), num campeonato marcado pela ausência dos Springboks.
Obrigado pela correcção!
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