A apenas uma semana de partida para Itália, onde a selecção portuguesa enfrentará o XV transalpino em jogo a contar para a Pool A da 5ª ronda de qualificação do Mundial de França 2007, o Blog BELENENSES XV foi assistir ao treino dos «Lobos» da passada 5ª feira. Na circunstância, o seleccionador nacional, Tomaz Morais, acedeu a falar connosco sobre os jogos que se avizinham.
Legenda: Tomaz Morais (Créditos: Getimage).
Belenenses XV: Depois da digressão à América do Sul e da partida com a equipa de Oxford, qual é o balanço que faz dos trabalhos de preparação da selecção nacional?
Tomaz Morais: O balanço é muito positivo. A partir do momento em que conseguimos uma série de vitórias consecutivas com a selecção de XV, eu próprio e sem que isso me tivesse sido proposto, achei que a selecção tinha de começar a jogar com países ou equipas que tivessem uma qualidade de Rugby superior àquela que nós jogávamos.
Foram importantes as vitórias e os resultados alcançados, mas para evoluir como equipa tínhamos ir à procura de equipas como as Fiji, Uruguai, Chile, o Stade Toulousain (que defrontámos com uma equipa composta por alguns jogadores mais experientes e outros mais jovens, que foram lançados). O facto de termos defrontado a equipa de Rosário, Buenos Aires e novamente o Uruguai serviu também para elevarmos o nível dos adversários.
Havia também uma saturação dos jogadores por jogarmos há 5, 6 ou 7 anos sempre contra a Geórgia, a Roménia, a Rússia, Espanha… países que são os nossos adversários regulares.
Tomei portanto a opção estratégica de começar a jogar contra equipas mais fortes (em termos de nível e conhecimento do jogo), de um patamar superior… e quando fomos à Argentina foi exactamente para isso.
Não foi uma viagem cómoda… foi uma viagem difícil. Jogámos três jogos em oito dias, treinámos todos os dias, por vezes dois treinos diários, e o objectivo era mesmo dar a fase de carga máxima para tirarmos rentabilidade dela mais tarde. Na Europa não tínhamos ninguém com o valor dessas equipas disponível para jogar neste período.
Surge também aqui o problema que é o campeonato começar apenas em Outubro, com o jogadores a estarem muito tempo parados em Portugal devido ao prolongado período transitório entre uma época e outra, o que já não se justifica. Muitos jogadores estão muito tempo sem fazer nada pois não têm o hábito de treinar individualmente. O jogador português joga Rugby, gosta de jogar Rugby, tem paixão pelo jogo – o que é fantástico – mas não tem o hábito de se cuidar para aquilo que o jogo exige…
A nossa preparação foi toda nesse sentido: preparar da forma mais profissional possível a equipa, sabendo sempre que ele são amadores. Organizámos a ida à Argentina, o jogo com Oxford e temos trabalhado aqui (no Estádio Nacional) semanalmente, por vezes de manhã (parte física, das 8h às 9h) e à noite o treino de Rugby, no campo.
No fundo estamos a rentabilizar a boa vontade, a entrega e o grande espírito que existe nesta «rapaziada» que defende as cores da selecção, e simultaneamente tentar diminuir o nosso fosso relativamente aos jogadores profissionais, que fazem do Rugby a sua vida há muitos anos, jogando em equipas totalmente profissionais (como vai ser o caso dos nossos próximos adversários).
Começámos um pouco tarde a preparação e devíamos ter começado 15 dias mais cedo. Mas existem dificuldades. Os jogadores têm famílias e empregos, e não podiam conjugar as férias com o início da temporada e eu resolvi começar com todos.
Na América do Sul correu tudo muitíssimo bem, e podíamos ter ganho dois jogos. Contudo, com Rosário, num jogo que «foi nosso» – fomos nós quem o perdeu e não Rosário quem ganhou – chegámos na véspera e não tivemos tempo de preparar o jogo. A 20 minutos do início do jogo ainda estávamos no autocarro, com o público e o adversário à espera, em campo. Houve uma fase de desconcentração grande, utilizámos 27 jogadores num jogo o que também não ajuda.
Depois fomos totalmente superados no segundo jogo, apesar de termos montado uma defesa fantástica. Foi o jogo com Buenos Aires. Alcançámos alguns objectivos na defesa e conseguimos uma coisa muito boa: jogar contra uma equipa de nível muito semelhante ao da Itália. Os jogadores perceberam que, com determinados tipos de erros que cometemos, ele vão marcar fácil…
São equipas que estão habituadas a aproveitar os erros do adversário ao máximo, e se nós cometermos esses erros, a vitória adversária é mais fácil…
Belenenses XV: A questão dos erros foi salientada pelo Professor após o jogo com Oxford… Falou em «erros infantis». Quais são esses erros?
Tomaz Morais: Esses erros são claros.
Nos últimos três jogos que fizemos – a contar para a Nations Cup – eu sabia que se as coisas nos corressem bem poderíamos ir à final e até ganhar. Quando aceitei esse Torneio foi exactamente com essa perspectiva.
O jogo com a Rússia correu-nos mal. Devido aos «sevens» e às competições nacionais, resolvemos começar a treinar apenas na sexta-feira antes do jogo, que se realizou numa terça. A equipa apareceu totalmente desconcentrada…
Os jogadores nunca tiveram a cabeça no jogo e pensaram que seria uma partida fácil. Pensaram que a Rússia tinha jogado 48 horas antes e que vinha cá apenas passear… E foram totalmente surpreendidos pela qualidade de jogo russa. Já sabíamos que essa qualidade existia e já a tínhamos sentido na pele num jogo à chuva em que empatámos 19-19, num jogo em que a Rússia nos foi superior não fisicamente mas tecnicamente. Acabaram por empatar com a felicidade de um erro do árbitro… o que nos penalizou, pois a alta competição não tem a ver apenas com qualidade de jogo, mas sobretudo com resultados.
Eu tinha avisado os jogadores para terem cuidado com a Rússia, pois aquele havia sido um bom resultado para Portugal, atendendo ao que se passou dentro do campo… Mas eles não ouviram. Estou perfeitamente consciente de que não me ouviram… e eles também. Jogaram demasiado desconcentrados e quando quiseram reagir já era tarde pois já não havia conjunto, não havia colectivo. Havia um conjunto de bons jogadores a tentar um resultado positivo mas sem saber como.
Depois desse jogo a equipa reagiu psicologicamente, trabalhou muito bem e podia ter vencido facilmente a Itália A. Portugal teve o jogo controlado e podia tê-lo «morto» com dois ou três ensaios falhados a cinco ou seis metros da linha… e vai empatar infantilmente, com os mesmo erros que comete agora: erros de natureza táctica e de rigor. Estamos a querer jogar bonito e bem, e por vezes esquecemo-nos que em determinadas zonas do campo o que interessa é não errar. Esses foram os erros que nos custaram o empate.
Com a Argentina A passou-se a mesma coisa. As faltas infantis que cometemos e os consequentes cartões amarelos marcaram o jogo. Na primeira parte fomos mais fortes e foi normal serem eles a dominar no segundo tempo… Todavia, a partir do momento em que houve a expulsão ficámos condicionados na gestão que tínhamos planeado para a segunda parte. A Argentina chegou com relativa facilidade à vitória nesse jogo. Foi uma derrota com sabor a vitória, pois perder por 5 pontos com uma equipa como aquela deixa sempre um sentimento de vitória nos jogadores…
O que é certo é que podíamos ter ganho esses jogos e perdemos por culpa própria.
Na pré-época voltámos a cometer os mesmos erros. Sofremos até ao momento 10 ensaios e nenhum deles foi construído… O adversário não construiu até agora nenhum ensaio contra Portugal, e todos eles foram consequência de erros da nossa equipa, quando pressionada em algumas zonas do campo. Nenhum desses erros foi de organização… mas antes de carácter individual, de desconcentração e até repetitivos, algo que me preocupou.
No jogo contra Oxford quisemos emendar em termos de sistema de jogo, mas há erros que têm surgido em determinadas zonas do campo e sempre da mesma forma. Creio que a equipa aprendeu com esses erros e a pré-época serviu para isso. Se queremos chegar ao campeonato do mundo não os podemos cometer.
Belenenses XV: Não convocou os jogadores que actuam em França – Gonçalo Uva e David Penalva - para a digressão à Argentina…
Tomaz Morais: Eles foram convocados. Os clubes é que não os libertaram…
Belenenses XV: … então não foram utilizados por essa razão, mas… estarão disponíveis para o jogo com a Itália?
Tomaz Morais: Eles estão convocados para o jogo com a Itália, mas se me disser que eles não estarão disponíveis… não me admira. Não tenho a certeza de nada, e quanto mais tempo passa menos certezas tenho. Neste momento sinto que Portugal é um país sem poder e que não há respeito pela selecção portuguesa por parte dos clubes franceses.
Belenenses XV: No que diz respeito aos médios são conhecidas as dificuldades na posição de formação e falou-se na indisponibilidade do Luís Pissarra para ir a Itália. Todavia, no último domingo ele apareceu com a camisola n.º9… Isso significa que ele vai estar disponível para a selecção?
Tomaz Morais: Eu penso que sim.
O Zé (José Pinto) foi um herói. Jogou três jogos na América do Sul sozinho, e teve a responsabilidade de jogar a médio de formação sem descansar. Tirei-o apenas 10 minutos no jogo com Buenos Aires, adaptando o Pedro Leal à posição de formação, para ele descansar.
Eu senti que o Zé vinha muito cansado da Digressão à Argentina e que tinha de descansar. Não há também nenhum grupo que evolua sem ter competição interna. Ainda não há, infelizmente…
Não está preparado mais nenhum médio de formação para ser rival do Zé, e o Lóios por dificuldades pessoais e profissionais afastou-se entre Junho e Agosto. Não pode começar o trabalho com a equipa, juntou-se tarde e não foi à Argentina por motivos pessoais, apesar de estar convocado. Decidi colocá-lo a jogar no encontro com Oxford, para ver qual dos dois me poderia servir melhor em determinados momentos. Eles são jogadores completamente distintos, com características completamente distintas… e nós vamos ter jogos também eles muito distintos.
A selecção precisa de dois jogadores de elevada qualidade naquela posição, e penso que com o Zé e com o Lóios, nessa posição, a equipa de Portugal está muitíssimo bem servida.
Belenenses XV: No que diz respeito aos jogos que se avizinham, como é que a equipa os vai abordar?
Tomaz Morais: Nós abordamos todos os jogos da mesma maneira: até terminar temos de ter sempre a intenção, a atitude e a esperança de ganhar, seja contra quem for.
Eu acho que Portugal se tem superado sempre contra adversários que jogam bom Rugby, do ponto de vista técnico. Quanto maior o nível técnico do adversário, melhor é o jogo da equipa portuguesa, uma vez que jogamos um Rugby positivo e construtivo. Tentamos jogar à mão, co uma equipa organizada, temos sectores onde atacamos e os jogadores têm um sistema de jogo moderno. É um modelo dos mais dinâmicos a nível de selecções… não há muitas selecções a jogar como Portugal joga, de forma aberta e à procura de ensaios.
As equipas jogam cada vez mais fechadas, para não perder ou para ganhar por um. Nós jogamos, hoje em dia, um Rugby que dá gosto ver, o que torna cada vez mais exigente quem assiste aos jogos. As pessoas cada vez querem mais… querem ver ensaios como o do Kiki (Pedro Carvalho) no passado domingo... Não há muitas equipas a construírem ensaios assim… Há muitas equipas a marcar os ensaios que Oxford marcou, aproveitando os erros do adversário. E o Rugby de alto rendimento é cada vez mais assim. Está feio nesse aspecto.
Nós temos a nossa escola e as nossas «convicções», e continuaremos assim.
Portugal pode fazer um grande jogo. Pessoalmente acredito muito que se conseguirmos alguns objectivos, como entrar bem no jogo, sem medo do adversário, sem receio das camisolas, não estar preocupados com o Estádio cheio a gritar pela Itália… se a equipa tiver essa força psicológica, se nos primeiros 20 minutos não sofrer pontos, se conseguir jogar no meio campo adversário e se conseguir lançar ataque à mão sem problemas… se ao intervalo estivermos dentro do resultado… tudo é possível no Rugby!
Bem sei que os 20 minutos finais em Itália, com um resultado desses, vão ser de loucos… Mas nós temos de estar preparados para isso e é nesse sentido que temos vindo a trabalhar a equipa.
Eu acredito e a equipa acredita que pode fazer a vida negra à Itália… e quem sabe se a sorte que nos tem fugido nos jogos difíceis não venha um dia ter connosco. Há sempre uma primeira vez para tudo na vida, e quem sabe se não é desta.
Belenenses XV: No que respeita à Rússia, no último ano obtivemos um empate e cedemos uma derrota mais ou menos inesperada…
Tomaz Morais: É bom que se saiba que nas vitórias com a Rússia apenas numa delas dominámos completamente o adversário. Foi aquela em que ganhámos por 1 ponto em Coimbra, na qual devido a uma má arbitragem e devido a ansiedade da equipa não conseguimos traduzir em pontos o domínio que tivemos…
Em todos os outros jogos com a Rússia, incluindo o de Krasnodar, quando vencemos por 11 pontos, a equipa esteve sempre «cinquenta-cinquenta» com este adversário.
Não vamos cair em ilusões. Nós ganhámos porque soubemos ganhar esses jogos, mas se tivesses perdido também não teria sido injusto.
O jogo com a Rússia é um jogo de «cinquenta-cinquenta»… agora, estou perfeitamente convencido de que com o apoio de todo o Rugby português, se as pessoas quiserem sair de casa para apoiar a selecção, com tudo aquilo que passámos ao longo destes últimos cinco anos – atravessámos o mundo, dormimos tapados por equipamentos – não é este jogo que nos vai impedir de ir em frente.
Nesse jogo, os jogadores têm de dar tudo. O que têm e o que não têm. Têm de ser impecáveis e tacticamente não podem falhar. Não é nenhum deles que vai resolver o jogo. Quem o vai fazer é a equipa, e eles vão ter de se convencer disso. A equipa dentro do campo, como uma verdadeira equipa, vai ter de resolver o jogo.
… E esse é o trabalho que nos falta: convencê-los de que, tal como aconteceu no passado, vão vencer agora, jogando em equipa. Não é a táctica, a touche, a mêlée… é fazê-los acreditar que vai haver um sistema e uma estratégia, e que eles colectivamente vão saber actuar.
Belenenses XV: Ainda relativamente ao apuramento, o Professor referiu ao jornal O JOGO que entre os dois jogos – Itália e Rússia – seria bom realizar uma partida particular…
Tomaz Morais: Sim, era fundamental.
Belenenses XV: … e esse jogo, vai realizar-se?
Tomaz Morais: Não… não porque nos foi atribuído um orçamento para a preparação relativa a estes jogos de apuramento, e já está completamente esgotado. Não temos portanto possibilidades financeiras, e temos de respeitar as verbas atribuídas.
As grandes equipas também se vêem assim… São aquelas que respeitam as condições financeiras que lhes impõem.
A equipa de Montpellier aceitou jogar connosco, no dia 14 em França, mas nós não temos dinheiro para nos deslocarmos… A verdade é essa e não vamos.
Esta é a preparação possível, e é com ela que vamos, cheios de esperança.
Belenenses XV: Para terminar, gostaria de deixar alguma mensagem às pessoas do Rugby e de fora do Rugby, relativamente aos jogos que se avizinham e particularmente no que diz respeito ao que disputaremos em casa, com a Rússia? Como é que os adeptos podem ajudar a equipa?
Tomaz Morais: Penso que as pessoas que estão à volta do Rugby, que conhecem a modalidade, a selecção e a nós, têm tido imensas alegrias nos últimos anos por pertencer ao Rugby. Hoje em dia, a realidade do Rugby português é completamente diferente do que era, e o respeito que alcançámos – nacional e internacionalmente – é completamente diferente, o que nos deixa muito orgulhosos.
Somos um povo tradicionalmente exigente, e é assim que temos que ser, mas o que é certo que nós demos uma «reviravolta» clara naquilo que é o Rugby português e na sua imagem. Hoje em dia é muito respeitado, e não há ninguém que não tenha admiração por todos os rapazes que jogam Rugby e pelo nome «Portugal Rugby».
Creio que aquilo que podemos fazer agora, todos, é irmos ao Estádio e esperar uma grande tarde de Rugby contra a Rússia, adoptar uma atitude positiva de apoio a estes jogadores e ter esperança na vitória de Portugal…
Nós já fizemos, em treino, os possíveis e os impossíveis para estar preparados para vencer esse jogo. Assumimos todos que nunca iríamos desistir e que iríamos lutar até ao último segundo.
Temos um sonho, que é um sonho de todo o Rugby português, e queremos concretizá-lo. Tudo faremos para o conseguir. É essa a nossa missão e esta equipa já provou que tem espírito de missão.